segunda-feira, 5 de janeiro de 2009
O nome da "coisa"
O nome da "coisa"!
Os órgãos sexuais femininos
só são nomeáveis assim,
no plural.
No singular,
o sexo da mulher vive
em eterna crise de identidade
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Não é fácil resumir milênios de mitos e preconceitos numa só palavra.
E então a vagina vira “xoxota”, “xereca”, “xibiu”, sem que se consiga uma explicação razoável para essa estranha fixação pela letra X.
Ou ainda “passarinha”, “pombinha”, “periquita”, “peteca” e outros seres cheios de penas.
Há variações ecológicas, que já vêm no diminutivo: “margaridinha”, girassolzinho”, “pererequinha”. E ainda os regionalismos e expressões de tribos variadas, como “perseguida” para os nordestinos, “racha” para os gays, “genitália” nos livros científicos.
O mais comum é que a definição seja tão vaga quanto é grande a distância que as mulheres guardam de suas vaginas.
E ela acaba sendo descrita como “aquele lugar”, “a parte de dentro”, “ali embaixo”, “lá”.
É por essa razão, acima de todas as outras, que a parte mais requisitada da alma feminina ganha centenas de nomes, todos eles denotando algo subalterno, grosseiro, desprezível até. Sujo, na maioria das vezes.
Diz o antropólogo americano Richard Parker, no livro "Corpos, Prazeres e Paixões", em que analisa a sexualidade do brasileiro: “Se os termos mais comumentes usados para falar do pênis enfatizam sua força e seus potencial (‘pau’, ‘cacete’, ‘vara’), os da vagina conjuram um sentido de inferioridade e imperfeição”.
O antropólogo, radicado no Brasil e professor do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, vai além: “Se o macho é caracterizado por sua posse de uma arma potente, a fêmea o é em termos da fissura entre as pernas...”
O dicionário Aurélio encara o mito e permite leitura freudiana. Pênis recebe uma denominação clara, forte, máscula: “Órgão copulador do macho”. Mas a da vagina é quase um acidente geográfico: “O canal que se estende do colo do útero à vulva”.
Dar nome à coisa é uma saia-justa que acontece no consultório médico, na cama, na roda de amigas, com os filhos. Não há mulher que não tenha passado por isso.
Opções
A empresária Sthepanie Legrand, 29, diz que existem várias opções para dar nome à “coisa”. A sua preferida é “menina”. “Na adolescência falava ‘perseguida’, um nome superpopular. Talvez porque a gente sente-se perseguida pelos meninos. ‘Menina’ apareceu quando eu conheci o André, um namorado francês, com quem casei. Desde então, inventei o ‘menina’ para mim e o dele virou ‘menino’, o meu oposto e complemento”, brinca.
Ela conta que se está falando “besteiras” numa roda de amigas ou experimenta um biquíni que lhe cai bem, diz que a “menina” ficou toda assanhada. “É um jeito carinhoso, sutil, nada vulgar. É ingênuo, até, e me define como eu sou -- uma mulher, uma menina, diferente do menino.”
Já a professora universitária Maria Clara Ribeiro, 48, afirma que vagina é a palavra que ela geralmente fala no consultório médico, e só alí. “Nunca a troquei por apelidos”.
Maria Clara diz que acha engraçado as pessoas usarem outros nomes e que nunca sentiu necessidade de fazer o mesmo. “Esse, aliás, não é um assunto com o qual eu brinque. Não chamo de nome nenhum, nem na intimidade, com um homem”.
Com a filha Violeta, de 13 anos, a professora usa a mesma palavra. Mas reconhece: “Provavelmente, ela sabe, hoje, mais nomes para isso do que eu, em bom português.”
“Tereza”, “pitchulinha”, “xereca” são os nomes usados pela secretária Cláudia Pinheiro, 25. O último, ela usa desde pequenininha. Mas, com o namorado, mesmo com muita intimidade, Cláudia fala vagina. “Pra dizer a verdade, a gente não toca no assunto. Se alguma coisa dói, por exemplo, eu digo está doendo ‘aqui’.
A secretária admite que, mesmo com as amigas, acha complicado falar do assunto hoje em dia, depois que cresceu. “Fico vermelha, olho para o chão, tenho vergonha. Os homens que conheço chamam de ‘xoxota’ ou ‘buceta’. São nomes feios, agressivos”, critica.
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A “coisa ”na literatura
“ Olhe, seu Genaro, nesta tenda não se fala da vida dos outros.quem tem sua ‘babaca’ que dê a quem quiser.”
(José Lins do Rêgo, Meus verdes Anos)
“Quando acordou com o choro do sobrinho e o ruído dos comboios se movimentando na partida, da ‘boca-do-corpo’, escuro e grosso, escorrendo-lhe pelas coxas.”
(Jorge Amado, Tocaia Grande)
“Vai gozar a ‘cona’ da mãe. Aqui quero sossego, tá?”
(Plínio Marcos, Barrela)
“Chega o dia infeliz (triste badejo) / Mísera ‘crica’! Desditoso rabo!” (Bocage, Ribeiradas-Canto XX)
“Vi a ‘periquita’ da prima e aquilo me arrastou para a libertinagem da casa dos carros.”
(José Lins do Rêgo, Meus Verdes Anos)
“Dizei-me, porém, senhora, onde está a vossa ‘coivara’! É abaixo dos dois montes, na fonte da minha água, abaixo do tabuleiro e na furna da pintada, na linha da ‘perseguida’, na dorte da Desejada.”
(Ariano Suassuna, A Pedra dos Reinos)
“... minha ‘quirica’ pelada.”
(Jorge Amado, Dona Flor e Seus Dois Maridos)
Silvia Mendonça
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